Existe uma grande praga na sociedade atual, em especial se você trabalha com o mundo do entretenimento. Refiro-me, é claro, aos metaleiros true. Essa praga vem se espalhando pelo mundo como um vírus devastador, deixando realmente rara a possibilidade de encontrarmos headbangers gente boa. Isso já foi amplamente abordado neste site, sobretudo aqui e aqui.
Essa introdução se faz necessária para explicar uma nova praga cujo surgimento tem me chamado a atenção: os gamers true. Assim como os metaleiros, os gamers não praticantes (ou gamers true) se consideram a elite da elite da cultura Pop. Para você merecer jogar algo realmente true, como God of War (leia o comentário do ZeR0 nessa resenha, só para citar um exemplo) ou GTA, precisa provar que é digno disso. E, se você apontar qualquer defeito, é um mariquinha que não merecia a oportunidade de ter a experiência de jogá-lo.
Se o lema dos metaleiros é o bom e velho “vai ouvir Pagode” e suas variações, os gamers também têm sua frase feita, que normalmente gira em torno de algo como “vá jogar jogos de criança”.
Para os metaleiros, o Metal é o tipo de música mais complexo, hermético e precioso que existe, portanto você precisa provar que é merecedor dele, normalmente sendo tão ou mais macho quanto o Manowar. O Pagode entra como um exemplo de música simples e ruim que, para eles, qualquer imbecil tem capacidade de ouvir. Para os gamers, o “jogo de criança” assume o papel do Pagode. Você não é macho o suficiente para jogar Battletoads (para citar um jogo unanimemente considerado difícil demais), portanto, vai jogar alguma coisa fácil digna de um ser inferior e me deixe ao lado dos meus iguais – e, portanto, superiores a você.
O surgimento desse tipo de praga ainda é considerado um mistério por estudiosos espalhados pelos quatro cantos deste mundo real e, para desespero dos gamers trues, desprovido de empurração de caixas. Porém, tendo como campo de estudo os metaleiros e os gamers, podemos apontar algumas semelhanças que parecem ter contribuído para a origem de grupos tão diferentes de qualquer outra forma de vida provida de um cérebro.
O primeiro fator é que, tanto os games quanto o Heavy Metal, eram uma cultura de elite até não tanto tempo atrás. Assim, quem conhecia as bandas metálicas e ia aos shows eram sujeitos que pagavam uma grana alta por CDs importados e que tinham que correr atrás de informação em sites de língua estrangeira. Era difícil até mesmo encontrar alguém para conversar sobre isso. O mesmo pode ser dito da turma gamer, que pagava uma fortuna por jogos, entre outras dificuldades típicas de uma cultura que ainda não atingiu a grande massa.
Só que ambos, o Metal há uns dez anos, e os games mais recentemente, têm usufruído de um crescimento na popularidade que os elevaram (ou, para muitos, os demoveram), para a cultura mainstream (sendo generoso, já que nem Metal nem games são realmente assim tão populares por aqui, embora estejam caminhando para tal). Isso tornou os CDs e os jogos mais acessíveis, os produtos começaram a ser lançados oficialmente aqui e vários eventos voltados para essa turminha (e eu faço parte de ambos, como provavelmente você também) começaram a acontecer. Assim, o público aumentou.
Porém, ao invés de o povo ficar feliz pelo fato de hoje ser mais simples ter acesso a essas coisas – sem falar encontrar pessoas de gostos afins – os trues de ambas as tribos ficam bravos. O fato de eles não fazerem mais parte de um gueto isolado do resto do país tira o romantismo da coisa. Se o lançamento de Halo 3 chega a afetar os lucros de Hollywood naquele final de semana, significa que eu, que achava ser o único que esperava ansiosamente pelo jogo, não sou mais exceção. Não sou mais especial. E aí surge o radicalismo e a necessidade de se provar acima da massa que hoje consome esse tipo de cultura. Ou, pelo menos, essa é a minha teoria.
Gamers true podem ser encontrados em muitos lugares, mas estão mais presentes em fóruns e são normalmente taxados com o carinhoso apelido de “ista”. Tudo bem, “ista” normalmente se refere mais aos fanáticos por determinadas marcas (nintendistas, sonystas, etc) do que aos que se consideram a última bolacha do pacote, mas como é tudo bolacha do mesmo pacote podre e carcomido, então dá quase na mesma a ordem em que foram empacotados.
Porém, comecei a encará-los como um perigo real, quando publiquei esta resenha. Nela, citei a absurda dificuldade do Devil May Cry 3, e não é que um caboclo reclamou que Devil May Cry é jogo de macho e, se eu não agüento a dificuldade, deveria ir jogar Turma da Mônica (pior que o único jogo da Mônica que conheço, aquele do Master System, era bem difícil também)? O.o
Depois disso, estava conversando com um amigo sobre o online de Call of Duty 4. Eu reclamei que achava extremamente frustrante jogar o maledeto online, pois mal conseguia ficar 10 segundos vivo. Era só eu reaparecer depois de uma morte que tinha um camper desgraçado esperando para me matar sem que eu nem o visse. Disse que o jogo deveria dar um jeito de deixar mais equilibrado, afinal, se já é chato jogar online sabendo que você não tem a menor chance de ganhar (como costuma acontecer comigo), pior ainda é se você mal consegue mover seu personagem, como acontece no COD4. A reação do meu amigo foi digna de nota. Ele disse coisas como “tem que ser difícil mesmo, guerra é difícil” e “quem não aguenta que jogue outras coisas”.
Ora pois, ninguém está falando que a dificuldade deve ser abolida do mundo dos games. Mas por que não dar opções? Afinal, os próprios desenvolvedores têm interesse em ter a maior quantidade possível de pessoas jogando seus produtos. Ok, vários jogos já são assim: um easy extremamente fácil e um hard extremamente difícil, com algumas opções no meio. E é assim que tem que ser. Cada um escolhe o nível de desafio que deseja. Não entendo porque alguns jogos teimam em ser focados em um grupinho de pessoas que não fazem mais nada na vida além de jogar o dito-cujo. Isso diminui as vendas e a fama do jogo. Nenhum game vai ter o status de um God of War se a única dificuldade disponível for a God.
No caso do online, deveria haver um sistema decente que selecionasse a turminha com habilidades semelhantes. Eles (as fabricantes) até dizem que isso existe, mas é mentira, ou eu não tomaria um pau homérico (sem relação com o Homero) toda vez que tento jogar com os nerds de 14 anos estadunidenses. E olha que, quando eu jogo com amigos offline, eu costumo ganhar de todo mundo, ou seja, não sou assim tão pato. Só sou pato comparado com os trues que não fazem mais nada da vida além de reclamar em fóruns.
Além disso, boa parte do povinho que joga na Xbox Live é extremamente chato. Tem uns que ficam cantando, outros ficam xingando, outros ficam matando pessoas do mesmo time e outros ainda são simplesmente desagradáveis (algo muito comum, por exemplo, é o sujeito sair do jogo assim que percebe que vai perder, para não “sujar as estatísticas”). Via de regra, sempre que eu tento jogar na Live, eu acabo ficando estressado e voltando rapidinho para o single player.
O resultado disso? Ora, depois de alguns dias jogando o Call of Duty 4 online, eu simplesmente desisti e me arrependi de tê-lo comprado. Afinal, a campanha single player é tão curta que é quase inexistente (embora, enquanto ela dura, seja muito boa). E se esse tipo de coisa já é frustrante para alguém como eu, que adora videogames e joga desde a época do Atari, o que podemos dizer de um mano que está começando a brincar com seus pauzinhos da alegria (joystick traduzido, seu mente suja) agora? Claro, temos o Wii e alguns jogos como o Guitar Hero, que apetecem jogadores mais casuais, mas isso é uma discussão diferente. Afinal, um cara que joga puzzles pode ser tão radical quanto um que joga COD e é essa mentalidade tosca que estamos discutindo aqui, não os games em si.
E aí, vamos agir como o carinha daquele documentário sobre Heavy Metal e dizer algo como: “já temos gente suficiente, não precisamos de você”? Pois é essa a mentalidade do povinho true. E é isso que a torna perigosa.
Não! Nós, todos que gostam de games e de Heavy Metal, precisamos de você, sim! Amigo delfonauta, você não sonha com o dia em que vai poder comprar qualquer jogo no supermercado da esquina por 50 reais ou ter um videogame de última geração legalizado e com garantia por um preço que não chegue aos quatro dígitos? Pois é, eu também. Mas para isso se tornar real, a cultura gamer precisa ser muito mais difundida do que é hoje. E isso não vai acontecer enquanto tivermos pessoas dispostas a manter os games na “elite”. Mesmo que essa “elite” seja formada por fanboys que não conseguem analisar o que está bem na frente dos seus narizes. Ou eles perceberiam o quanto nós realmente precisamos de mais gente.
Se você concorda, ajude a divulgar a causa. Mande este texto por e-mail, coloque em fóruns, enfim. Espalhe por aí. Quem sabe os trues não veem a luz e começam a tratar gamers em potencial como sempre deveria ter sido: como amigos.
Videogame é diversão! Vamos tratá-lo como tal. E, se você ainda não se juntou a esse maravilhoso mundo dos jogos eletrônicos, venha brincar com a gente! Nós precisamos de você – e queremos brincar com você! E, se quiser jogar comigo na PSN ou na Live, procure por Delfiano. A gente se vê online. 😉
PS: Assim como quando escrevi o primeiro headbangers não praticantes, ainda não estou realmente bravo com os gamers true. Será que daqui a uns dois anos, alguma coisa vai me inspirar a escrever um “Os gamers true versão 101001”? Espero que não.
PS2: Depois que escrevi esse texto, meu segundo Xbox 360 morreu com as luzes da morte. Embora tenha arrumado o bicho, ele já morreu de novo e eu desencanei de vez de lutar contra o design defeituoso do console. Assim, você pode até me adicionar, mas eu provavelmente não vou conseguir conectar à Live novamente. Mas se você tiver um PS3, tamos aí. =)